domingo, 27 de março de 2011

ultima entrevista de Raul

ENTREVISTA CONCEDIDA AO PROGRAMA DO JO EM 1989

Entrevista com Raul Seixas e Marcelo Nova cedida ao Programa Jô Soares Onze e Meia em 1989.

Jô - Eles cozinham na mesma panela: um é meio bruxo e nasceu há 10 mil anos, e o outro é seu companheiro e parceiro. Eu vou chamar Raul Seixas e Marcelo Nova.

E aí Raul, como é que é o negócio: você é ele ontem ou Marcelo é você amanhã?

Raul -(risadas) Eu estou muito satisfeito em trabalhar com Marcelo Nova. É uma pessoa que tem a mesma metafísica que eu.

Jô - Quer dizer que cozinham realmente na mesma panela?

Raul - Sim, na mesma panela.

Jô - Marcelo, e você...é realmente Maluco por Beleza? Marcelo - Sim, claro. E é coisa gozada porque nós dois somos de Salvador. A gente não é da turma do dengo, mas somos baianos, somos baianos do outro lado.

Raul - Não somos da turma do dengo.(risadas)

Marcelo - E nos anos 60, eu tinha 14 anos, Raul devia ter uns 20 anos e poucos, e ele tinha uma banda chamada Raulzito e seus Panteras. E eu ia lá para a primeira fila assistir a história. E 20 e tantos anos depois a gente está cozinhando na mesma panela.

Jô - Quais são as características principais de um Maluco Beleza, hein Raul?

Raul - (risadas) Isso foi nos anos 70. Eu era Maluco beleza. Hoje em dia eu não falo muito, eu penso. Penso mais do que falo.

Jô - Mas você acha que quando falava muito deu problema para você...falar muito nos anos 70?

Raul - Deu muito problema para mim. Eu fui expulso do país.

Jô- Em que ano você foi expulso?

Raul - 74. Na época do Geisel.

Jô - E foi para onde?

Raul - Nova Iorque. Encontrei John Lennon em Nova Iorque

Jô - E como foi tua barra em Nova Iorque? Como é que era a vida lá?

Raul - Bem, eu estive com John Lennon quando ele estava separado da Yoko Ono num apartamento que ele alugou. O apartamento era grande. eu fui com um cara do Cruzeiro. O segurança dele botou o cara para fora. Eu já tinha escrito cartas para ele falando da Sociedade Alternativa, e foi por este motivo que eu fui posto para fora do país. Queriam saber quem eram os donos da Sociedade quando era apenas uma música (risadas).Fiquei três dias na casa de Lennon, conversamos sobre os donos do planeta Terra. As pessoas que fizeram a cabeça do Planeta Terra. Jesus Cristo, pessoas ilustres (risadas).

Jô - Pessoas altamente ilustres, né?

Raul - Pessoas ilustres... E ele me perguntou quem é que tinha no Brasil de grande figura. Nós conversamos sobre Calígula, sobre todas essas pessoas incríveis e, quando ele perguntou do Brasil eu não tinha ninguém para dizer! Aí disse Café Filho. Aquelas coisas quando a gente fica nervoso não sabe o que dizer (risadas)...

Jô - Imagine o John Lennon ouvindo isto... Coofee Filho??? (risadas)
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Raul - É, eu disse não é nada, não.

Jô - Raul, em Nova Iorque a barra chegou a pesar? O negócio do lixo. Como é que era esse negócio do lixo que você estava contando aqui?

Raul - Ah! do lixo... Três horas da manhã eu me vi numa viela perdido em Nova Iorque e tinha um palhaço comendo lixo...

Jô - Um palhaço!!!?

Raul-É um palhaço muito bonito, bem vestido, comendo lixo. E ele me convidou assim(faz um gesto cordial) para ir comer o lixo com ele. E eu comi o lixo com ele...(risadas) Não... mas o lixo de Nova Iorque é gostoso!

Jô - É um lixo comível?

Raul - É um lixo comível.(risadas)

Jô - Você lembra o que é que tinha no lixo ou não?

Raul - Catchup. (risadas)

Jô - Muito catchup! Agora, catchup no lixo não vira um pouco comida de vampiro, não Raul?

Raul - Naquela época eu tinha que ser vampiro mesmo (risadas)

Jô - O que pintasse?

Raul - É, o que pintasse tava dando. Eu estava vivendo...sobrevivendo em New York.

Jô - Eu me lembro de você fazendo um show que eu fui assistir no teatro Teresa Raquel. Era um show extraordinário.

Raul - Em 73, né?

jô - Foi...72...73. Eu sei que tinha um lado muito moleque, muito irreverente. E você na época dizia coisas no palco sobre o disfarce do roqueiro que as outras pessoas não podiam dizer fora da música, né?

Raul - Sim...

Jô - Aliás, neste dia estava comigo meu amigo Paulo Pontes e ele me disse: "Esse rapaz diz uma porção de coisas que se a gente quiser escrever numa peça de teatro na hora é proibido."

Raul - Eu sempre tive problema com a censura. Até hoje eu tenho 11 músicas censuradas, eles olham minha obra de cima para baixo. Sacodem para ver se sai alguma coisa.

Jô - Mas até hoje isso continua?

Raul - Até hoje. É uma coisa terrível!

Jô - E o rock. O rock está vivo no Brasil? Como está a situação do rock, Raul?

Raul - Para mim o rock'n'roll morreu em 59. Hoje em dia o que existe é um reflexo de nossa época, da nossa cultura.

Jô - E como é que você chama a música que você faz hoje?

Raul - Raulseixismo (risadas).

Jô - E o Marcelo? O Marcelo Nova está fazendo o que Marcelonovismo ou Raulseixismo?

Marcelo Nova - É, acho que a gente tem umas coisas de identificação que já vem desde essa época que eu comecei a falar. Quer dizer, naquela época eu ouvia Beatles, Rolling Stones, vinha tudo de outro continente, né? Aí eu descobri que existia um tal de Raulzito e uma banda Os Panteras. Eu vou lá ver, e aí me apareceu esta figura (aponta para Raul) vestida de couro e de topete. Eu olhei e disse: um dia quero ter uma Banda. Foi esse o primeiro contato ao vivo.

Jô - Você queria ter o que? A banda ou o topete?

Marcelo Nova - Os dois bicho...os dois. Tinha aquele negócio da cuspida do chiclete que era esteticamente importante. Naquela época era muito importante você usar a gola da camisa para cima e cuspir o chiclete.

Jô - Mas por que importante?

Marcelo Nova - Porque o pai da gente não fazia isso. o pai da gente tinha a gola assim (abaixa a gola) e não mascava. O mascar era um negócio muito complicado. Podia ser muito arriscado inclusive.

Jô - Marcelo, agora que você falou este negócio de cuspir, eu olhei de repente para você e vi o Bob Cuspe, aquele personagem do Angeli.

Marcelo Nova - Rapaz, sabe que quando eu comecei, durante um certo tempo no Camisa de Vênus, muita gente fazia esta comparação.

Jô - Raul como é que aconteceu, você em Serra Pelada dando autográfo?

Raul - Ah rapaz! Na hora do show me deu uma dor de barriga desgraçada (risadas). Eu estava em Serra Pelada na casa de prostitutas, né? que serve para alimentar a população de garimpeiros dali. Eu fui chamado para lá mesmo. Me levaram para um buraco para fazer minhas necessidades num buraco. Eu estava defecando e as pessoas me pedindo autográfos com um isqueiro aceso para eu enxergar o buraco (risadas).

Jô - Que situação hein, Raul?!! Agora sobre o novo disco. Vai ter a foto dos dois na capa, né?

Raul - Vai ter nós dois.

Jô - E vai chamar A Panela do Diabo, e os dois demoninhos cozinhando naquela panela.

Marcelo Nova - É. Nós fomos tocar no interior de São Paulo, e o disco estava em andamento e não tinha nome ainda. Aí estavamos dentro do camarim esperando para subir no palco, veio uma pessoa com uns panfletos que estavam sendo distribuídos na entrada alertando os jovens do perigo de assistir um show de Raul Seixas e Marcelo Nova porque nós éramos a encarnação do demônio. E fazia uma analogia com textos do Raul - Eu nasci há 10 mil anos atrás.

Raul - Que eu vi Cristo ser crucificado.Eu era o diabo que estava ali no meio.

Marcelo Nova - Pois é, e eu olhei para o Raul e disse: bicho, taí o nome do disco. Agora, mais do que nunca vai se chamar A Panela do Diabo. São eles que querem.

Jô - E vocês podem mostrar para a gente alguma coisa do disco novo?

Marcelo Nova - É claro. Está aqui a Banda Envergadura Moral que já acompanhou a gente em 43 shows. Jô - Então vamos lá: Raul Seixas, Marcelo Nova e a Envergadura Moral... (Raul e Marcelo cantam Carpinteiro do Universo)

Um comentário:

  1. Essa foi uma referência ao mc Donald's...
    "Eu vi um palhaço comendo lixo, e me juntei à ele" que sutileza!

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